“Quando falamos em mortalidade, estamos falando de nossos
filhos.”
Acabei de dizer isso, mas o que isso quer dizer?
Tudo bem, é claro que eu consigo entender, é claro que você
consegue entender, mais uma maneira de admitir que nossos
filhos são reféns da sorte, mas, quando falamos de nossos filhos,
do que estamos falando? Estamos falando do que tê-los
significou para nós? Do que não tê-los significou para nós? Do
que significou deixá-los ir? Estamos falando do enigma que
é a promessa de proteger o que não pode ser protegido? De
todo o quebra-cabeça que é ser pai ou mãe?
“O tempo passa.”
Sei, tudo bem, uma banalidade, é claro que o tempo passa.
Então, por que eu digo isso, por que já disse mais de
uma vez?
Estarei dizendo isso da mesma maneira que digo ter vivido
a maior parte da minha vida na Califórnia?
Estarei dizendo isso sem ouvir o que digo?
Será que eu ouvia assim: “O tempo passa, mas de um jeito
não tão agressivo, de modo que ninguém percebe”? Ou mesmo: “O tempo passa, mas não para mim”? Será que eu
não percebia a natureza geral ou a permanência da desaceleração,
as irreversíveis mudanças no corpo e na mente, o modo
como acordamos em uma manhã de verão, menos resistentes
do que antes, e no Natal descobrimos que nossa capacidade de
movimento está esgotada, atrofiada, exaurida?
O modo como
vivemos a maior parte da vida na Califórnia, e então não mais?
O modo como nossa consciência desse tempo que passa —
essa permanente desaceleração, essa efêmera resistência —
multiplica-se, propaga-se, torna-se nossa própria vida?
“O tempo passa.”
Será que eu nunca acreditei nisso?
Terei acreditado que as noites azuis durariam para sempre? "
Lendo esse trecho de um livro que ainda não comprei, mas o farei assim que a fatura do cartão de crédito virar, percebo que há tantas coisas que perdemos simplesmente por não sabermos apreciar a sua provisoriedade, a sua não-permanência, a sua volatilidade.
Não tenho filhos - ainda, espero. Já presenciei Mães com os filhos recém-nascido (mães também recém-nascidas, portanto). Mães enfrentando a incalculável dor de perder o mais amado pedaço de si - seus filhos. Esta dor é tão antinatural que não consigo sequer vislumbrar, quem dirá compreender. É algo de inenarrável, de irrespirável, de inimaginável.
Suponho que ter um filho é lidar de frente com o que somos, em contraposição ao que desejaríamos ser. Como não transferir para tão pequena criatura todas as expectativas do Mundo? Como permitir que um filho vá para o Mundo, desprotegido, com a carapaça tão fininha que qualquer coisa pode atingi-lo?
São pensamentos soltos, que me assombram nesse momento, em que chove e a solidão parece se delinear. Um novo ano se divisa, repleto de possibilidades e promessas. E, mais do que nunca, a vida me parece uma nudez absoluta e absurda. Como nos proteger? Como proteger aqueles que amamos?
E a felicidade, nisso tudo? São apenas noites azuis, de um passado imemorial?
terça-feira, 29 de dezembro de 2015
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